Complicações durante o ato de intubação
Podem ser divididos em traumáticas, por erro técnico, reflexos e de outras causas.
Traumáticas
São mais comuns devido à inexperiência do médico, fatores
anatômicos e patológicos, relaxamento muscular ou preparo do paciente
inadequado.
Fraturas ou luxações da coluna cervical
São causadas durante o posicionamento da cabeça em pacientes
com rigidez de mandíbula e pescoço que acompanham o trismo, artrite,
espondilite anquilosante, radioterapia, queimaduras ou outras alterações ósseas
da coluna cervical. Para evitá-Ias devemos manter a cabeça em posição neutra e
considerar técnicas alternativas como a intubação nasal às cegas ou com auxílio
de broncofibroscópio.
Deslocamento de mandíbula
Decorre do emprego de força excessiva para a abertura da
boca, principalmente em pacientes com diminuição da mobilidade mandibular. A
correção, na maioria das vezes, é simples com a ajuda do relaxamento muscular.
Traumas dentários
A incidência varia de 0,1 a 2,0% e pode levar a complicações
pulmonares graves por aspiração traqueal de fragmento. O risco de lesão
dentária está aumentado em pacientes com: a) doença dentária concomitante; b)
pontes e coroas; c) extremos de idade. A avaliação dentária pré-intubação é
importante e alguns autores sugerem a utilização de protetores dentários que
comprovadamente diminuem a incidência de traumas, porém aumentam a dificuldade
para a intubação.
Lesões de lábios, língua e mucosa oral
Ocorrem por compressão entre os dentes e o laringoscópio,
sonda traqueal ou cânula orofaríngea. Lesões do nervo inguinal ou hipoglosso
também podem aparecer pela compressão durante a laringoscopia.
Lesões nasais
Aparecem durante a intubação nasal e inclui Iaceração de
mucosa, sangramentos, deslocamento ou perfuração de septo, lesão de mucosa
nasofaríngea que pode ocasionar abscesso retrofaríngeo ou mediastinite. A
profilaxia deve ser baseada na avaliação nasal, no uso de vasoconstritores e
até na dilatação das fossas nasais antes da intubação.
Lesões ou perfurações das vias aéreas e esôfago
São mais comuns durante intubações difíceis e de emergência
em que várias tentativas são necessárias. Podem atingir nasofaringe,
hipofaringe, fossa piriforme, aritenóide, cordas vocais, traquéia e esôfago.
Felizmente são raros, mas quando associados à ventilação com pressão positiva
causam enfisema subcutâneo no pescoço e mediastino, pneumotórax e até
pneumoescroto. Abscessos e mediastinites são complicações mais tardias que
podem aparecer, principalmente em lesões esofágicas. A introdução forçada da
sonda traqueal deve ser sempre evitada. Os sinais clínicos sugestivos destas
lesões são cianose, enfisema subcutâneo, pneumotórax, disfagia, dor cervical e
febre e devem ser valorizados para diagnóstico e tratamento precoces, que são
fundamentais para a resolução favorável do quadro.
Erro de técnica levando à hipoxemia
Podem ser decorrente de apnéia prolongada, intubação
esofágica ou brônquica e dificuldades para intubação. Crianças, gestantes e
pacientes obesos, com reserva pulmonar diminuída, são os mais susceptíveis à
hipoxemia.
A pré-oxigenação antes da intubação, apesar de retardar o
diagnóstico de erros de intubação, pode proporcionar apnéia de até cinco
minutos sem levar à hipoxemia e deve ser utilizada de rotina, apesar de
criticada por alguns autores. A oxigenação contínua durante a Iaringoscopia é
outra medida eficiente.
Intubação esofágica
Ocorre principalmente quando há dificuldades para a
visualização das cordas vocais Ievando à hipoxemia grave, regurgitação e
aspiração pulmonar e até mesmo rotura gástrica. É complicação rara (1 a 2%),
mas sua ocorrência é uma das maiores causas de parada cardíaca e lesão cerebral
associados à intubação. Vários métodos podem ser empregados para a confirmação
da posição da sonda sendo todos sujeitos a críticas:
a) visualização direta da passagem da sonda através das
cordas vocais, que é difícil em alguns pacientes;
b) ausculta de ápices e bases pulmonares, que é o método
mais utilizado, mas não eficiente, principalmente em pacientes obesos,
enfisematosos, com pescoço curto, tórax em barril ou estômago intratorácico;
c) ausculta e observação epigástrica concomitante;
d) visualização ou palpação dos movimentos torácicos ou a
presença de volume expiratório quando o paciente assume ventilação espontânea;
e) complacência do balão reservatório durante a inspiração e
momento expiratório que esta diminuída na intubação esofágica;
f) condensação do vapor d’água na sonda ou saída à compressão
esternal que podem ocorrer durante a intubação esofágica;
g) presença de conteúdo gástrico na sonda que pode ser
confundida com secreções das vias aéreas ou Iíquidos de aspiração;
h) alterações na pressão arterial ou frequência cardíaca;
i) cianose que pode ser tardia em pacientes pré-oxigenados;
j) confirmação radiológica da posição da sonda que é cara e
demorada e pode não ser eficaz;
l) palpação da sonda ou do balonete na região supraesternal
que é difícil em pacientes obesos ou naqueles em que a traquéia não é
facilmente palpável;
m) broncofibroscopia que é um método seguro, mas que requer
instrumento relativamente caro não disponível para uso de rotina;
n) oximetria de pulso que é um método seguro, mas pode ser
indicador tardio após pré-oxigenação.
A ventilação esofágica em pacientes com as cordas vocais
abertas pode proporcionar trocas gasosas a nível pulmonar e impedir dessaturação
precoce;
o) capnografia do gás expirado é o método mais aceito.
Para a utilização nestes Iocais e em situações nas quais
equipamentos não são disponíveis, alguns métodos alternativos têm sido
sugeridos:
p) utilização de um introdutor de sonda traqueal fino,
construído com fibra de vidro. A resistência oferecida pela carina ou
cartilagem de brônquio fonte à sua introdução descarta a possibilidade da
intubação esofágica, que não oferece resistência;
q) utilização de fio guia iluminado que mostrou ser eficaz
na redução da intubação esofágica não detectada;
r) Iaringoscopia direta após a intubação, com o deslocamento
da sonda em direção ao palato e visualização da sonda através das cordas
vocais;
s) intubação brônquica proposital, que ocasiona o desaparecimento
dos ruídos respiratórios em um dos hemitórax. Se a sonda estiver no esôfago, a
introdução da sonda não mudará o padrão dos ruídos, podendo estar presente ou
não em ambos os hemotórax;
t) a ultra-sonografia para a confirmação da posição da sonda
pode ser empregada em recém-nascido;
u) utilização de dispositivos de detecção esofágica (seringa
de 60 ml, intermediário e conector). A intubação traqueal não oferecerá
resistência à aspiração de ar da sonda pelo dispositivo, o que acontece com a
intubação esofágica. É um método simples, rápido, barato e interessante;
v) utilização de dispositivos que detectam a presença de CO²
no ar expirado.
A combinação de alguns métodos é recomendada, mas devemos
ter domínio das técnicas para realizá-Ios. Quando houver dúvida quanto à
posição da sonda de intubação, esta deve ser retirada e reintroduzida. A
manobra de Selick também pode ser utilizada para a prevenção da intubação
esofágica.
Intubação brônquica
É mais comum, com incidência muito variável de 0,6 a 90%.
Pode ocorrer no ato de intubação ou durante a manutenção da sonda. O brônquio
fonte direito é mais comumente intubado, pois forma um ângulo mais obtuso com a
traquéia.
A sonda traqueal move-se em direção à carina com a flexão do
pescoço e em direção às cordas vocais, com sua extensão ou rotação lateral da
cabeça. As posições de Trendelenburg e de litotomia, a colocação de compressas
no abdômen superior e a compressão abdominal podem deslocar a carina para cima
e determinar intubação brônquica. A fixação inadequada da sonda pode contribuir
principalmente em crianças que possuem traquéia mais curta.
A intubação brônquica pode resultar em obstrução pulmonar
bilateral com hipóxia e colapso pulmonar. O aparecimento de vários graus de
obstrução no brônquio contralateral é mais comum; o aumento da ventilação do
pulmão cujo brônquio está intubado pode ocasionar rotura alveolar, enfisema e
pneumotórax. Os sinais clínicos podem incluir assimetria da expansão torácica e
ruídos ventilatórios, taquipnéia, hipotensão e cianose, sendo de fácil
diagnóstico. A atelectasia das porções não ventiladas é comum e algumas medidas
têm sido sugeridas para a prevenção da intubação brônquica:
a) localização da sonda no terço médio da traquéia com o
pescoço em posição neutra, obtida com a introdução da sonda 3 a 4 cm após as
cordas vocais e fixação adequada. As fórmulas criadas para o estabelecimento da
distância segura de introdução em crianças não são totalmente confiáveis;
b) posicionamento da extremidade da sonda a 23 e 21 cm da arcada
dentária superior em homens e mulheres, respectivamente, desde que estejam
dentro dos Iimites da estatura;
c) intubação brônquica proposital e retirada da sonda 2 cm
após o reaparecimento dos ruídos pulmonares bilaterais.
A detecção precoce é fundamental e os vários métodos a serem
utilizados são idênticos aqueles empregados no diagnóstico de intubação
esofágica. Uma vez detectada a intubação brônquica o balonete deve ser
desinsuflado, a sonda puxada alguns centímetros, o balonete reinsuflado e a posição
correta confirmada.
Reflexos provocados pela Iaringoscopia e intubação
A estimulação Iaringotraqueal pode originar reflexos
Iaringovagais, simpáticos ou espinais. Os reflexos Iaringovagais são mais
comuns em crianças e pacientes vagotônicos e causam espasmo de glote,
broncoespasmo, apnéia, bradicardia, bradiarritmias e hipotensão arterial, mas
são mais raros que os laringossimpáticos que ocasionam taquicardia,
taquiarritmias (em até 57,9% das intubações nasais e 32,4% das orais) e
hipertensão arterial. Em pacientes com doença vascular cerebral, cardiopatia e
idosos estas alterações podem causar Iesões graves e até fatais. Os reflexos
Iaringoespinais incluem tosse, vômitos e espasmos. O broncoespasmo é o mais
importante, principalmente nos pacientes com antecedentes.
Os reflexos durante a intubação traqueal podem ser
prevenidos por interrupções das vias aferentes (bloqueio com anestésicos
Iocais) e eferentes (bloqueio simpático alfa e beta) ou a nível central (por
anestesia profunda). Várias outras técnicas vêm sendo estudadas com essa
finalidade e merecem uma revisão específica por sua importância.
Outras complicações
Bacteremia
Ocorre principalmente com a via nasotraqueal (5,5%), sendo
indicado o uso profilático de antibiótico em pacientes com valvulopatias e
cardiopatias congênitas. Alguns autores sugerem a proteção da extremidade da
sonda ao passar pela nasofaringe.
Edema agudo pulmonar não cardiogênico
Pode ocorrer em pacientes com queimaduras de vias aéreas e
seria devido à diminuição da pressão alveolar pela perda do mecanismo de
manutenção do volume pulmonar realizada pela aproximação das cordas vocais
durante a expiração. A ventilação controlada com pressão positiva contínua das
vias aéreas é recomendada para a sua prevenção, mas alguns autores afirmam que
o edema pulmonar seria causado por esforços inspiratórios durante o ato de
intubação.
Introdução de corpos estranhos nas vias aéreas
Podem ser fragmentos de tecido de adenóide, mucosa nasal, de
sonda de intubação, coágulos, comprimido de medicação pré-anestésica e até
separação da sonda de seu conector e sua introdução na árvore brônquica. É de
importância fundamental a inspeção da sonda e da cavidade nasal antes da
intubação e da extremidade da sonda após a passagem pela cavidade nasal bem
como a sua fixação adequada. Caso haja suspeita da introdução, está indicada a
broncoscopia para diagnóstico e tratamento precoces.
Aspiração pulmonar do conteúdo gástrico
É um tema muito estudado e merece revisão específica pela
sua gravidade (30 a 70% de mortalidade). A sua incidência variável, que pode
chegar a 18,5%, é uma das maiores causas de morbimortalidade na anestesia,
podendo ser responsável por até 10% das mortes cirúrgicas. Pacientes com
estômago cheio ou retardo do esvaziamento gástrico (gestantes, obesos,
traumatizados, pacientes com hemorragia digestiva alta ou distúrbios
metabólicos) têm um risco maior, sendo que a gravidade do quadro depende do
volume e pH do Iíquido aspirado.
A perda dos reflexos, a paralisia muscular e as manobras
para a intubação favorecem a regurgitação e aspiração.
As medidas preventivas iniciam-se com drogas que aumentam o
pH e o esvaziamento gástrico (antiácidos particulados, metoclopramida e
antistamínicos HZ), incluem a aspiração gástrica pré-indução e fundamenta na
técnica de indução. Esta pode ser a intubação sob anestesia tópica da
orofaringe e com o paciente acordado ou a seqüência de indução rápida com
proclive e manobra de Selick. Ambas têm-se tirado eficaz quando indicadas e
realizadas corretamente.
O tratamento depende da gravidade do quadro e inclui
manutenção de oxigenação e ventilação adequadas, broncoscopia e broncoaspiração
e controle clínico-laboratorial seriado para a avaliação da evolução. Os
antibióticos devem ser utilizados somente após o aparecimento clínico de infecção
e os corticosteróides não modificam a evolução do quadro.
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