Lpa/Sara Relacionada à Ventilação Mecânica
Anteriormente, as lesões
pulmonares atribuídas ao uso de volume corrente (VC) altos eram descritas apenas como a
possibilidade de extravasamento de ar para o espaço pleural. Quando esse extravasamento
ocorre devido a uma pressão muito elevada nas vias aéreas, estabelece-se o
barotrauma. Mais recentemente, vêm sendo descritas outras formas de lesão
associadas à VM:
O volutrauma resulta da
hiperdistensão das unidades alveolares, levando a um processo inflamatório
local.
O atelectrauma é
consequência da lesão alveolar causada pelo estresse na membrana
alvéolo-capilar (MAC) diante de um recrutamento e um desrecrutamento instável a
cada ciclo ventilatório.
O biotrauma é a lesão
causada pela resposta inflamatória local e sistêmica resultante das agressões
causadas tanto pelo volutrauma quanto pelo atelectrauma, ou ainda pela combinação
de ambos.
Estudos com animais revelam
que o uso de VC altos em pulmões sadios leva rapidamente a alterações pulmonares
similares às alterações da SARA. A lesão causada pela VM resulta em dano
alveolar com consequente edema da membrana alvéolo-capilar, liberação de
mediadores inflamatórios na circulação sistêmica e ativação e deslocamento de
células inflamatórias para os alvéolos.
Os efeitos deletérios do
uso de VC altos foram verificados mesmo em pacientes ventilados por curtos
períodos. Fernandez e col. 25 coletaram os VC intraoperatórios de pacientes submetidos
a pneumectomias. De acordo com essa amostra, 18% dos pacientes desenvolveram
insuficiência respiratória aguda (IRpA) no pós-operatório e, em metade desses
casos, os pacientes foram diagnosticados com LPA/SARA. Após análise dos dados,
verificou-se que os pacientes que desenvolveram IRpA foram ventilados com VC
mais altos (média 8,3 x 6,7 mL.kg-1 de peso ideal, p < 0,001). A análise de
regressão logística mostrou ainda que o uso de altos VC intraoperatórios e de
maior volume de reposição de fluídos intravascular foi identificado como
fatores de risco para a IRpA pós-operatória.
Em estudo realizado com 52
pacientes, Michelet e col. compararam os níveis de interleucina IL-1, IL-6 e
IL-8 em pacientes submetidos a esofagectomias devido a câncer, ventilados com
VM convencional (VC 9 mL.kg-1 de peso ideal e sem PEEP) e VM protetora (VC 5
mL.kg-1 de peso ideal e PEEP 5 cmH2O). Pacientes que receberam VC protetora apresentaram
níveis menores dos fatores inflamatórios tanto ao final da ventilação
monopulmonar quanto 18 horas após a cirurgia. A VM protetora também resultou em
melhor relação PaO2/FiO2 durante a ventilação monopulmonar e uma hora após a
cirurgia, além de se verificar a redução no tempo de VM no pós-operatório.
Um ensaio clínico
randomizado 27 com pacientes cirúrgicos admitidos em CTI comparou VC de 12 e 6
mL.kg-1 de peso corporal ideal. Foram excluídos pacientes em pós-operatório de
neurocirurgia e cirurgia cardíaca. Pacientes ventilados com VC mais baixos
tiveram menos infecção, ficaram menos tempo na VM e menos dias no CTI.
O Terceiro Consenso
Brasileiro de Ventilação Mecânica, publicado em 2007, menciona a ventilação
mecânica no intraoperatório em pacientes sem doença pulmonar, recomendando a
aplicação de PEEP ≥ 5 cmH2O durante a anestesia geral (grau de recomendação B),
manobras de recrutamento alveolar (grau de recomendação B), FiO2 entre 30% a
40% ou a menor FiO2 para manter a saturação de oxigênio acima de 98% (grau de
recomendação C) e a não utilização de altos volumes correntes .
Um trabalho recente de Soubhie
e col. publicado na Revista Brasileira de Anestesiologia avaliou as modalidades
ventilatórias utilizadas por anestesiologistas em todo o Brasil no período
transoperatório por meio de um questionário. Demonstrou-se que 94% fazem uso de
PEEP rotineiramente, enquanto 86,5% fazem uso de FiO2 entre 40% e 60%. Manobras
de recrutamento alveolar no intraoperatório foram realizadas por 78,4%, porém
apenas 30% utilizavam estratégia protetora de ventilação mecânica com VC
inferior a 7 mL.kg.
É importante enfatizar que
o termo “VC baixo”, na verdade, deveria ser denominado “VC normal”, pois
mamíferos têm habitualmente um VC de aproximadamente 6,3 mL.kg-1. Na maioria
dos trabalhos, o volume corrente é calculado com base no peso corporal predito,
que tem como variáveis sexo e altura do paciente. Isso é muito importante para
evitar que o VC calculado para a VM seja, iatrogenicamente, superestimado ou
subestimado.
Cálculo do peso corporal
predito em quilogramas (kg)
Sexo masculino 50 + 0,91 x
(altura em centímetros – 152,4)
Sexo feminino 45,5 + 0,91 x
(altura em centímetros – 152,4)
Fonte: Seiberlich E, Santana
JA, Chaves RA, Seiberlich RC
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