Estimulação precoce e fisioterapia
A intervenção precoce no tratamento
das crianças com lesões cerebrais é de fundamental importância e exige um
manuseio específico acompanhando a evolução motora do bebê, preparando-o para
fases subsequentes do seu desenvolvimento.
A expressão estimulação
precoce é derivada da tradução dos termos correlatos do espanhol (estimulacion
temprana e estimulacion precoz) e também do inglês (carly stimulation ou early
intervention) dessa forma, o termo “precoce” no seu significado etimológico,
preserva a sua essência, natureza preventiva adjetivando ações suficientemente
antecipadas, tendentes a evitar, atenuar ou compensar a deficiência de que a
criança possa ser portadora e ou suas consequências.
Estimular não é “bombardear”
a criança para que ela faça alguma coisa. Estimular é oferecer situações,
pessoas, objetos etc., que tenham um significado para a criança, despertando
desta forma, seu desejo para agir sobre os estímulos que foram objetivos
(Ferreira, 1996).
"O aumento dos
potenciais da intervenção precoce e a realização dos bebês de risco o mais cedo
possível tornam-se muito importantes para utilizar abordagens preventivas e terapêuticas
antes que o fracasso se estabeleça". (Meyermof, 1994: 204).
“O trabalho de intervenção
precoce tem por objetivo reduzir o atraso e desenvolver habilidades nos atos
motores funcionais, além de orientar os pais sobre como proceder em relação às
necessidades das crianças. Intervindo precocemente facilita-se a construção do conhecimento
como um despertar a curiosidade e o interesse pela descoberta do mundo. Desenvolvendo
de forma harmônica, requisitos básicos com a percepção tátil, auditiva, proprioceptiva,
sendo necessários para aquisição da independência e autonomia. Um programa
terapêutico precoce reduziria na medida do possível os problemas relacionados à
falta de visão e promoveria ao máximo o desenvolvimento funcional da criança”.
(Shepherd, 1995: 5-6).
Os profissionais envolvidos
na assistência precoce devem ter plena consciência, do valor da atividade
motora no processo de desenvolvimento, assim com o poder de detectar e intervir
precocemente na presença de qualquer alteração nessa área. O desenvolvimento é
resultado de troca permanente dos estímulos ambientais e as respostas
orgânicas.
A época para iniciar a
intervenção é fundamental para que o bebê tenha mais força para sobrepujar suas
deficiências, além de reforçar uma auto-imagem positiva desde o início de sua
vida extra uterina, e motivá-lo para que possa recuperar-se ou atingir a melhor
função (Meyerhof, 1994).
Quanto mais cedo a criança
portadora de deficiência, for submetida a programas de estimulação, tanto
melhor será o prognóstico de sua reabilitação (Ramos e Ramos, 1996).
A identificação precoce de
desvios do desenvolvimento exige conhecimento prévio dos sinais evolutivos da
criança, além da implantação de programas de intervenção precoce. Ela se aplica
especialmente nos seis primeiros meses de vida, pelo reconhecimento de que,
devido à grande plasticidade do sistema nervoso nesta fase, ele melhor se
adapta às manipulações externas (Anunciato, 1994).
O objetivo formal da
intervenção precoce é reduzir os efeitos negativos de uma história de risco. A
intervenção precoce tem por finalidade reabilitar ou habilitar, e recompensar
os atrasos evolutivos das crianças com necessidades especiais, tomando como referência
os dados obtidos na fase de identificação precoce (Brêtas et al, 2001).
Plasticidade Neural
A plasticidade é um processo
através do qual o sistema nervoso tenta manter as suas funções com os neurônios
que sobraram, após uma lesão. Plasticidade é capacidade da célula nervosa
saudável de tentar estabelecer conexões ou manter contato quando o sistema
nervoso é lesado, sendo um processo de melhora da comunicação entre as células
nervosas, ou seja, das sinapses.
Pode ser definida como a
tendência do Sistema Nervoso a ajustar-se perante influências ambientais
durante o desenvolvimento e restabelecer ou restaurar funções desorganizadas
por condições patológicas ou experimentais. Dessa definição percebe-se o
vínculo dos fenômenos plásticos com o desenvolvimento embrionário do Sistema Nervoso,
assim como com a capacidade de resposta compensatória frente a lesões e outras
influências externas, relacionadas com aprendizagem e memória. Na plasticidade funcional
do Sistema Nervoso é capaz de modificar seus padrões, à resposta em função de
novos dados, incluindo uma propriedade fundamental do cérebro humano, que é a sua
extrema capacidade de adaptação as mais variadas condições ambientais
(Rodrigues & Miranda, 2000).
Ainda que nem sempre se
possa conseguir um rearranjo normal total com a consequente cura do paciente, a
mobilidade demonstrada pelo sistema nervoso nos mostra que as medidas
terapêuticas são sempre importantes, pois através de seus resultados
conseguimos ofertar uma melhora na qualidade de vida desses pacientes.
"A forma surpreendente
como as crianças se recuperam de agressões ao sistema nervoso central evidencia
a plasticidade. A plasticidade é a capacidade de um organismo em
desenvolvimento achar seu caminho circundando a deficiência". (Brazelton,
1991: 125).
A Plasticidade neural pode
ser primeiramente entendida como o amadurecimento do SNC, dependente de
estímulos. É uma segunda forma de plasticidade, de aprendizagem. Os dois
baseiam-se em mecanismos fisiológicos semelhantes, e são a base para uma
organização normal do SN ou uma reorganização pós-lesão (Rebolledo, 1998).
Por mais diversos que sejam
os fatores etiológicos do Sistema Nervoso Central (SNC) são sempre
estacionários, se bem que as manifestações clínicas pareçam mudar à medida que
a criança avança em idade. Essas modificações parecem ser devidas aos processos
de maturação e adaptação, portanto, é de se esperar que elas sejam
influenciadas pelas experiências do lactente. Após o nascimento, a estrutura
corporal e o sistema que a controla se adaptam em consequência da lesão
cerebral, se bem que de acordo também com a quantidade e variedade dos
movimentos realizados pela criança (Shepherd, 1996).
A mielinização no interior
do cérebro obedece a uma determinada sequência, começando pelo tronco cerebral
e pelo cerebelo e continuando depois no cérebro. Todas as estruturas da medula,
tronco cerebral e cerebelo apresentam-se mielinizadas por volta dos dois anos,
enquanto as raízes dos nervos periféricos estão mielinizadas aos três anos. A
mielinização de todas as estruturas cerebrais parece estar encerrada aos cinco
anos de idade, atingindo o seu melhor nível de desenvolvimento na criança de
seis anos.
Rebolledo (1998) cita
possíveis mecanismos para recuperação neuronal:
- Diáquese: seria a
recuperação espontânea que ocorre secundariamente à fase de choque, onde há uma
nova estruturação e reorganização das estruturas.
- Função viscanal: se uma
área determinada para certa função seja firmemente estabelecida, há a possibilidade
de outra área cerebral assumir tal função.
- Substituição
comportamental: refere-se à capacidade do sistema nervoso estabelecer novo modo
operacional para chegar à mesma função.
A plasticidade do Sistema
Nervoso Central é máxima nos primeiros meses de vida, confirmando a importância
da atuação terapêutica precoce (Rodrigues & Miranda, 2000).
Dizer que um processo é
plástico significa que ele pode adaptar-se imediatamente as alterações nas
circunstâncias externas. Nesse sentido, plasticidade é a base de todo o
controle neural. Dentro da variação normal de função, o controle de movimento
depende da resposta contínua do sistema nervoso as informações que recebe a
respeito do estado do organismo e do mundo exterior (Piper, 1994).
Tanto a intensidade da
reabilitação, como intervalo de tempo entre a lesão e o início da reabilitação,
influencia a recuperação da função nervosa. A falta prolongada de movimentação
ativa pode levar a perda subsequente da função em regiões adjacentes não lesadas
(Ekman, 2000).
Os neurônios que não foram
lesados aumentam o número de sinapse que permanecem inativas sob as condições
normais. Essas sinapses podem, porém tornarem-se ativas diante a uma lesão,
assim mostra que o sistema nervoso possui mecanismos capazes de fazer funcionar
sinapses preexistentes e que eram utilizadas, formando novos circuitos.
A Psicomotricidade na
Estimulação Precoce
A fisioterapia e a
psicomotricidade estão relacionadas no desenvolvimento da criança buscando a
integração das funções motoras, desenvolvimento intelectual e cognitiva, pois a
criança com paralisia cerebral não consegue utilizar o seu corpo para
demonstrar o que sente, passando a ter problemas de expressão.
Disfunção Psicomotora
A criança com paralisia
cerebral apresenta deficiência em sua função psicomotora, cabendo o terapeuta
estimula-la para aquisição dessas funções.
- O seu movimento voluntário
poderá estar substituído pela atividade reflexa, sendo o uso das mãos
prejudicadas, principalmente pela presença do reflexo de preensão, impedindo o
aparecimento de movimento dissociado e seletivo. O bebê não retifica o tronco,
se fixa em determinada postura e usa a pronação de antebraço e mãos para pegar
e soltar objetos.
- A coordenação viso-motora
pode estar prejudicada pela ação do reflexo tônico cervical assimétrico e pela
falta de controle da cabeça.
- A exploração dos objetos
(levar a boca e manipular os objetos) pode estar impedida pela atividade tônica
reflexa, impedindo-a de experimentar a forma, textura e consistência do objeto.
- A orientação espacial pode
estar prejudicada porque o bebê não consegue rolar para vivenciar o espaço.
- A percepção do esquema
corporal, noção de profundidade e relações espaciais podem estar prejudicadas.
- Devido à falta de controle
do punho, na criança com paralisia cerebral atáxica, usam fixações para
compensar tal instabilidade. O traçado pode ser fraco e irregular.
- A falta de controle de
cabeça e fixação ocular pode levar a dificuldade na escrita.
- Alteração da constância da
percepção visual.
- Nas crianças hipotônicas o
traçado é débil e as letras mal acabadas ou incompletas.
- As crianças espásticas
realizam o traçado com demasiada pressão, sendo frequentes as cinesias e os
movimentos espasmódicos.
O Uso das Atividades
Psicomotoras no Tratamento da Criança
O movimento é o meio pelo
qual o indivíduo comunica e transforma o mundo que o rodeia. O tratamento na
psicomotricidade procura melhorar as estruturas que integram, elaboram,
planificam, verificam e regulam os movimentos. É um desenvolvimento do pensamento
pelo ato motor. Ajuda a criança a melhorar em termos motores, emocionais.
O terapeuta deverá:
- Proporcionar prazer à
criança.
- Treinar a criança na
realização de movimentos mais livres e naturais, de tal forma que ela possa
experimentar a alegria do movimento.
- Facilitar a simetria para
a coordenação ombro – mão e uso bimanual.
- Facilitar supinação.
- Estar atento para as
fixações utilizadas pelas crianças para conseguir controle postural e quais são
os tipos de compensações que usam para realizar movimentos.
- Estimulação
proprioceptiva.
- Estimulação sensorial
adequada.
- Trabalhar movimentos
amplos com retificação de tronco.
- Facilitar movimentos
digitais.
A dificuldade de equilíbrio
leva a dificuldade de experimentar, de explorar o mundo, e não explorando, não
há o amadurecimento do sistema nervoso central. Para trabalhar com a criança
espástica deve-se simbolizar esse corpo, contar histórias e fazer brincadeiras
com o corpo e imagem corporal. Já com a criança atetósica, deve-se trabalhar
com objetos mais pesados, por exemplo, colocar peso numa caneta, com o peso, o
tônus se mantém menos flutuante.
Quando se manipula a
criança, é importante o terapeuta cantar e fazer movimentos rápido e lento,
mudando a qualidade de movimento junto com o estímulo sonoro (forte e fraco).
Estimulando os dois hemisférios encefálicos, a resposta, a captação desse
estímulo motor é mais impresso.
Quando reflexo de preensão
estiver ainda presente utiliza-se grãos, pintura como estímulos sensoriais na
palma da mão sem utilizar preensão: este tipo de estímulo inibe a preensão
reflexa e faz com que os extensores dos dedos atuam.
Atividades que envolvem as
principais funções psicomotoras.
- Pintura a dedo com mingau.
- Brinquedo de isopor,
revestido por tecido, camurça, entre outros.
- Flocos de espuma formando
quebra-cabeça.
- Agulha em madeira para
alinhar cartão.
- Cubos de espuma.
- Argila.
- Pintura com cola.
- Carimbos com pinos grossos
para facilitar preensão.
- Raquete com cabo duplo.
- Jogar bola num alvo.
- Usar duas esponjas, uma em
cada mão, molhar na tinta e bater no papel.
- Pneus para rolar
(coordenação bimanual).
- Pintura de sopro com
guache.
- Trabalhar com caixa,
bacias ou baldes antes de usa atividades de encaixe para trabalhar a noção de
profundidade.
- Bicho de pano com areia
para trabalhar estabilidade articular.
- Fantoches.
- Boliche.
- Pintura em barbante.
- Trabalhar sequência de
formas, cores e tamanhos.
Deve-se considerar o brincar
com o aprender, pois proporciona a criança, de um modo mais amplo, todas as
experiências possíveis, inclusive a estimulação de sentir, cheirar, ver e ouvir
e encorajá-la sempre a expressar-se por gestos e quando possível pela fala.
O terapeuta precisa
proporcionar à criança possibilidades para que ela corra, salte, pule, imagine
e participe de brincadeira, brinquedos e jogos. Deve-se enfatizar que o
brinquedo ou a brincadeira é a mais lucrativa experiência para a criança, onde
ela explora e toma conhecimento de si mesma e dos outros, conhecendo como
funciona o mundo em torno dela.
A Participação dos Pais
O desenvolvimento da criança
não pode ser considerado separadamente da unidade familiar. Portanto, o
fisioterapeuta deve estimular a participação estreita dos pais e dos outros
membros da família no tratamento da criança ou no treinamento motor. Também
precisa preocupar-se com o bem estar da família, no que se refere à deficiência
da criança, seja aconselhando os familiares quanto aos cuidados a serem dispensados
à criança portadora de deficiência grave, seja recomendando uma cadeira apropriada
para a criança que precisa aprender em casa a sentar e a levantar-se, ou seja, dando
ouvidos à mãe ansiosa ou depressiva.
Fonte - A estimulação precoce na
fisioterapia aliada à psicomotricidade, no tratamento da encefalopatia crônica
da infância. - Simone Amado Pestana
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