Síndrome de Sanfilippo
A síndrome de Sanfilippo
corresponde às mucopolissacaridoses (MPS) III-A, III-B, III-C e III-D. As MPS caracterizam-se
pela presença de atraso de desenvolvimento, envolvimento do sistema nervoso
central (cérebro) e problemas físicos leves.
O que causa a MPS III?
Os glicosaminoglicanos
(GAGs) são longas cadeias de moléculas de açúcar usadas na construção de ossos,
cartilagem, pele, tendões e muitos outros tecidos do corpo. Eles fazem parte da
estrutura do corpo e também dão ao corpo algumas características especiais que
o fazem funcionar.
Para entender como os GAGs
se acumulam e causam a MPS III, é importante entender que existe um processo
natural de síntese de novos GAGs e de quebra e reciclagem dos velhos. Este
processo de síntese e quebra, que é essencial para manter o corpo saudável,
depende da atividade de enzimas específicas. Estas enzimas são proteínas
capazes de quebrar e reciclar os GAGs, trabalhando em sequência, uma após
outra. Cada enzima possui uma tarefa especial e tem uma ação muito específica.
As pessoas com MPS III não
possuem uma das quatro enzimas responsáveis pelo mecanismo de quebra e
reciclagem de um dos GAGs encontrados em nosso corpo, o heparan sulfato. Quando
este GAG não é totalmente quebrado, ele fica acumulado dentro das células do
corpo, causando dano progressivo. As manifestações clínicas da MPS III costumam
aparecer entre 2 e 6 anos de idade.
Existem formas diferentes da
doença?
Existem quatro tipos de
deficiências enzimáticas que podem causar a síndrome de Sanfilippo. Na MPS
III-A, a enzima deficiente é chamada de heparan-Nsulfatase; na MPS III-B, a
enzima deficiente é chamada de alfa-Nacetilglucosaminidase; na MPS III-C, a
enzima deficiente é chamada de acetil-CoA-alfa-glucosamina acetiltransferase;
e, na MPS III-D, a enzima deficiente é chamada de N-acetilglicosamina
6-sulfatase. Cada indivíduo com MPS III apresenta, portanto, um tipo específico
de MPS III (o qual deve ser determinado por meio de testes bioquímicos): A, B,
C ou D. Indivíduos da mesma família apresentam o mesmo tipo de MPS III: por
exemplo, se um menino com MPS III-A tem um irmã também afetada, ela será
afetada pela MPS III-A.
A diferença clínica entre os
quatro tipos de MPS III é pequena, já que todos os quatro tipos acumulam o
mesmo tipo de GAG, o heparan sulfato. Este GAG é encontrado principalmente no
sistema nervoso central (cérebro), e o seu acúmulo é responsável pelos
numerosos problemas que afetam os indivíduos com MPS III.
Como as doenças são
herdadas?
A constituição genética de
cada indivíduo corresponde aos genes que ele recebeu da sua mãe e do seu pai.
Então, cada indivíduo tem metade dos genes vindos da sua mãe e metade dos genes
vindos do seu pai. Para cada enzima produzida no corpo, existem dois genes que
a produzem, um vindo do pai, e outro vindo da mãe. Para a maioria das enzimas,
se apenas um dos genes funcionar adequadamente, os quase 50% de enzima produzidos
por este gene normal serão suficientes para manter a pessoa saudável. Porém, se
o indivíduo receber os dois genes alterados (um do pai e outro da mãe), ele
terá pouca ou nenhuma enzima, e desenvolverá a MPS III.
As MPS III-A, III-B, III-C e
III-D são, portanto, doenças autossômicas recessivas. Em cada gravidez, existe
uma chance de 3 em cada 4 da criança nascer com pelo menos um gene normal, isto
é, sem a doença. Existe também uma chance de 1 em 4 de que a criança tenha a
doença, por receber os dois genes defeituosos. Existe uma chance de 2 em 3, de
que os irmãos e irmãs de indivíduos com MPS III sejam portadores, ou seja,
possuam um gene normal e um gene defeituoso.
Estágios das MPS III
A MPS III afeta as crianças
de maneiras diferentes, e a sua progressão será mais rápida em uns do que em
outros. Os bebês geralmente não mostram sinais da doença, mas os sintomas
começam a aparecer entre os 2 e 6 anos de idade.
As mudanças costumam ser
graduais. A doença tende a ter três estágios principais, o primeiro deles
caracterizando-se pela presença de atraso de desenvolvimento, o segundo pela
presença de hiperatividade, distúrbios de comportamento e do sono, e o terceiro
por regressão neurológica.
Manifestações Clínicas da
MPS III
De todas as MPS, a MPS III é
a que produz anormalidades físicas mais leves. Problemas simples e tratáveis,
como infecções de ouvido e dores de dente, tendem a ser subdiagnosticados
nestes pacientes. Isto não deveria acontecer, mas acaba acontecendo porque os
problemas neurológicos fazem com que as crianças não se queixem (não reclamem)
da mesma maneira que os pacientes sem MPS. Além disso, os problemas de
comportamento tornam mais difíceis os exames médicos. As principais
complicações das MPS III são a regressão neurológica e os distúrbios de
comportamento.
Algumas crianças com MPS III
podem ter problemas com a coagulação do sangue, durante e após uma cirurgia.
Aconselha-se que testes pré-operatórios sejam realizados para ver se este
problema poderá acontecer com seu filho. Discuta isto com o seu cirurgião.
Aparência Física
Nas crianças com MPS III, o
crescimento pode estar acelerado nos primeiros anos de vida e, após os 3 anos,
pode ser mais lento; a aparência também é normal nos primeiros anos de vida. As
alterações de comportamento iniciam geralmente entre os 2 e 6 anos de vida,
evoluindo com perda progressiva da capacidade mental. O cabelo tende a ser
grosso e os pêlos no corpo podem ser mais abundantes que o normal; as
sobrancelhas costumam ser escuras e cheias.
Problemas de Nariz,
Garganta, Peito e Ouvido
Estes problemas ocorrem com
menos frequência nas crianças com MPS III, e com mais frequência em crianças
com os outros tipos de MPS. A gravidade dos problemas varia de pessoa para
pessoa.
O nariz escorrendo
A ponte do nariz pode estar
achatada, e a passagem atrás do nariz pode ser menor que o usual devido ao
pouco crescimento dos ossos da face e ao espessamento da mucosa. Esta
combinação de ossos anormais com o depósito de GAGs nos tecidos moles do nariz
e da garganta pode facilmente bloquear a via aérea. Algumas crianças com MPS
III podem ter descarga crônica de muco do nariz (rinorréia). Esta descarga nasal
crônica é devida a uma drenagem anormal de secreções normais e a infecções crônicas
de ouvido e seios da face.
Garganta
As amígdalas e adenóides
frequentemente estão aumentadas e podem bloquear parcialmente a via aérea. A traqueia se torna mais estreita pelo depósito de GAGs e pode ser mais mole que
o normal.
Dificuldades para respirar
Tosses frequentes e gripes
são problemas comuns em indivíduos com MPS III. Durante a noite, eles podem
ficar agitados e acordar frequentemente. Às vezes, o indivíduo pode parar de
respirar por curtos períodos de tempo durante o sono: é o que chamamos de
apnéia do sono. Com isso, o nível de oxigênio pode ficar baixo durante o sono,
podendo causar problemas de coração. Se os pais observarem qualquer alteração
no sono, a criança deve ser encaminhada a um especialista em sono e realizar
uma polissonografia, isto é, um estudo do sono. Em indivíduos com MPS III, a
apnéia do sono ocorre raramente. Mas, se acaso ocorrer, pode ser tratada
através da remoção das amígdalas e adenóides, ou da abertura da aérea com um
CPAP (pressão positiva contínua de via aérea) ou um BiPAP (pressão positiva de
via aérea de dois níveis) noturnos.
Boca
As pessoas com MPS III podem
ter o tamanho da língua aumentado, as gengivas largas e os dentes muito
espaçados, pequenos e com esmalte frágil. É importante que os dentes sejam
muito bem cuidados, já que a cárie dentária pode ser uma causa de dor. Mesmo
com um ótimo cuidado dentário, um abcesso ao redor do dente pode se
desenvolver. Irritabilidade, choro e agitação podem ser, às vezes, sinais de um
dente infectado em um indivíduo gravemente afetado.
Quando um paciente com MPS
III tem algum problema cardíaco, é aconselhável o uso de antibiótico antes e,
às vezes, depois do tratamento dentário, para evitar que bactérias da boca
entrem na corrente sanguínea e causem infecção na válvula cardíaca anormal. Se
houver necessidade de extração de dentária com anestesia geral, o procedimento
deve ser realizado em um hospital, sob os cuidados de um anestesista e de um
dentista experiente.
Coração
A doença cardíaca é comum na
maioria das MPS, mas problemas cardíacos sérios raramente ocorrem em indivíduos
com MPS III. Medicamentos estão disponíveis para ajudar a manejar tais
problemas. Se a doença piorar, entretanto, uma cirurgia pode ser necessária
para substituir as válvulas danificadas. É importante que, periodicamente, os
pacientes sejam avaliados por meio de exames chamados ecocardiograma e
eletrocardiograma.
Fígado e baço
O baço e o fígado podem se
tornar levemente aumentados, pelo acúmulo de GAGs, mas comumente não causam
problemas.
Abdômen e hérnias
Na maioria dos indivíduos
com MPS III, o abdômen protrui para fora por causa da postura, da fraqueza dos
músculos e do aumento do fígado e do baço. Frequentemente, parte do conteúdo
abdominal pode saltar para fora por trás de um ponto fraco na parede do abdômen
(isto é o que chamamos de hérnia).
Quando a hérnia sai de trás
do umbigo, chamamos de hérnia umbilical, e, quando sai na virilha, chamamos de
hérnia inguinal. As hérnias umbilicais não costumam ser tratadas, a menos que
sejam pequenas e possam causar encarceramento do intestino, ou que sejam muito
grandes e estejam causando outros tipos de problemas. As hérnias inguinais
devem ser tratadas através de cirurgia. Mesmo sendo tratadas, as hérnias podem
voltar a aparecer.
Problemas intestinais
Muitos indivíduos com MPS
III sofrem, periodicamente, de “fezes soltas” e diarreia. Ainda não se conhecem
exatamente as causas deste problema, mas algum distúrbio do sistema nervoso
autonômico deve estar envolvido. Estudos já mostraram acúmulo de GAGs em
células nervosas do intestino, e é provável que a motilidade anormal do
intestino seja a causa da diarreia. A diarreia episódica de alguns indivíduos
com MPS parece ser influenciada pela dieta.
A constipação pode se tornar
um problema conforme a criança vai ficando mais velha e menos ativa, e os
músculos vão ficando mais fracos. Se o aumento de fibras na dieta não adiantar
ou não for possível, o médico poderá prescrever um laxativo ou um enema
(lavagem).
Ossos
Os indivíduos com MPS III
tendem a ter problemas mínimos com a formação óssea e o crescimento.
Articulações
A rigidez das articulações é
comum em todas as formas de MPS, e a amplitude máxima de movimento de todas as
juntas pode estar limitada. Os indivíduos com MPS III tendem a ter poucos
problemas com articulações, mas elas podem causar dor à medida que os pacientes
se tornam mais velhos. A dor pode ser aliviada com calor local e analgésicos
usuais.
Mãos
As crianças com MPS III têm
dedos que ocasionalmente se tornam dobrados devido às contraturas, o que pode
dificultar a execução de várias tarefas diárias.
Quadril
Em alguns indivíduos com MPS
III, o quadril pode ficar deslocado. Isto não costuma precisar de tratamento.
Pernas e Pés
Muitos indivíduos com MPS
III ficam em pé e caminham com o joelho e quadril flexionados. Isto, combinado
com um tendão de Aquiles encurtado, pode levá-los a andar nas pontas dos pés.
Eles também podem ter joelhos para dentro (genu valgo). Caso o problema no
joelho seja grave, uma cirurgia pode ser realizada nos ossos da tíbia, mas isto
é bem raro na MPS III. Os pés são largos e podem ser rígidos, com os dedos
dobrados para baixo, assim como o das mãos.
Mãos e Pés frios
Os indivíduos com MPS III
podem ter as mãos e os pés frios nas fases mais tardias da doença, como
resultado de uma falha na regulação neurológica dos vasos sanguíneos (disfunção
autonômica). Isto pode não incomodar a criança, mas, se incomodar, meias e
luvas grossas podem ser úteis. O mecanismo de controle de temperatura corporal
da criança também pode ficar danificado, e a criança poderá suar à noite, assim
como ter mãos e pés frios durante o dia.
Algumas crianças apresentam
episódios em que a temperatura do corpo baixa (hipotermia).
Pele
A pele tende a ser mais
espessa e dura em indivíduos com MPS III, tornando difícil a coleta de sangue e
a colocação de cateteres intravenosos. Excesso de pêlos no rosto e nas costas
ocorre em alguns destes indivíduos.
Problemas Neurológicos
Numa fase mais tardia da
doença, crianças com MPS III podem ter convulsões. Durante a convulsão, você
deve posicionar a criança de lado para prevenir a aspiração de vômito. A
criança deve ser deixada nesta posição até o fim da convulsão. Verifique se a
via aérea está livre e não coloque nada na boca da criança.
As convulsões podem ser
prevenidas ou ter sua frequência diminuída com medicações anticonvulsivantes
convencionais.
Outros problemas frequentes
são a hidrocefalia, os distúrbios do sono e os problemas de comportamento. A
hidrocefalia é tratada cirurgicamente (colocação de válvula). Os distúrbios do
sono e de comportamento são difíceis de ser manejados, mas podem ser
controlados, algumas vezes, com o uso de medicamentos específicos. É
fundamental que o paciente com MPS III seja acompanhado por um neurologista.
Olhos
Opacificação de córnea não
costuma ocorrer em indivíduos com MPS III. Entretanto, a visão pode estar
afetada devido ao depósito de GAGs na retina, o qual pode causar perda da visão
periférica e cegueira noturna. O indivíduo com cegueira noturna pode não querer
caminhar numa área escura à noite, ou ficar com medo quando acorda durante a
noite. Se você tem preocupações em relação à visão de seu filho, não deixe de
levá-lo para consultar um oftalmologista.
Ouvidos
A surdez é comum em todos os
tipos de MPS III. A surdez pode ser condutiva, sensorial ou mista, e pode
piorar com infecções de ouvido frequentes. É importante que os indivíduos com
MPS tenham a sua audição monitorizada regularmente, a fim de que os eventuais
problemas possam ser tratados precocemente.
Fisioterapia
Como já foi dito, a rigidez
das articulações é uma característica comum em todas MPS. Esta rigidez pode
causar perda de importantes funções. Para o manejo deste problema, exercícios
que trabalhem com a amplitude de movimento - como extensão e flexão passivas
dos membros - podem ajudar. Os exercícios que causam dor devem ser evitados.
Síndrome de Sanfilippo –
Hospital das Clínicas - UFRGS
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