Ciclo cardíaco
A contração cardíaca
determina os movimentos cinéticos do sangue e das valvas. A conseqüência final
são as alterações hemodinâmicas que constituem o ciclo cardíaco propriamente
dito.
O ciclo cardíaco envolve
todos os eventos elétricos, mecânicos, sonoros e de fluxo que se sucede em cada
batimento. Foi descrito inicialmente por Lewis e depois por Wiggers.
O primeiro evento é a
ativação elétrica do coração. A contração do músculo cardíaco depende fundamentalmente
da despolarização elétrica dos miócitos a qual determina a entrada de cálcio
para o meio intracelular, o que induz a sístole mecânica.
O estímulo elétrico se
origina no nódulo sinusal e este se propaga pelos feixes internodais até o
nódulo atrioventricular onde sofre um ligeiro retardo. É graças a este retardo
que se harmoniza a contração seqüencial de átrios e ventrículos. Tudo funciona
como se os átrios e ventrículos fossem isolados eletricamente e a única conexão
entre eles fosse o nódulo atrioventricular.
O estímulo elétrico se
difunde aos ventrículos através do feixe de His, suas ramificações e as fibras
de Purkinge.
O Ciclo Cardíaco é composto
por dois eventos: a sístole e a diástole.
A diástole é o enchimento
das câmaras cardíacas com volume sanguíneo. A sístole é a expulsão de sangue
das câmaras cardíacas. Cada sístole que pode ser atrial ou ventricular é
precedida de uma diástole.
A primeira fase do ciclo
cardíaco é a da contração atrial, no final da diástole. A estimulação elétrica
pelo nódulo sinusal determina contração da musculatura atrial, com redução do
seu volume e aumento da pressão intracavitária e expulsão do sangue para o
interior do ventrículo esquerdo.
Esta primeira fase é
registrada no atriograma e corresponde à onda a. As valvas atrioventriculares
se abrem amplamente permitindo o fluxo de sangue para os ventrículos. A
contração atrial determina elevação da pressão diastólica do ventrículo
esquerdo, que é denominada de pressão diastólica final do ventrículo (Pd2 ou
Pdf). Além disto, é responsável por cerca de 20% a 30% do enchimento
ventricular total. Neste momento o sangue que retorna ao coração não adentra o
átrio inscrevendo-se então a primeira onda positiva no pulso venoso jugular.
Também nesta fase uma quarta bulha (B4) anormal pode ser ouvida como
conseqüência da dificuldade de esvaziamento atrial como ocorre na insuficiência
cardíaca congestiva, insuficiência coronariana, embolia pulmonar maciça,
miocardiopatias, etc.
A onda p do
eletrocardiograma se inscreve em torno de 40 ms antes do pico da onda a.
A segunda fase do ciclo
cardíaco e primeira do período sistólico ou de contração é denominada de
contração isovolumétrica. Nesta fase os ventrículos se encontram com sua
capacidade máxima de volume registrando-se a pressão diastólica final. As
valvas semilunares aórtica e pulmonar se encontram fechadas devido a que as
pressões diastólicas arteriais excedem a pressão diastólica dos ventrículos. Após
o pequeno retardo no nódulo atrioventricular, o estímulo elétrico distribui
pelo feixe de His e pela rede de Purkinge excitando a musculatura iniciando-se
então a contração. A pressão intraventricular sobe então rapidamente
determinando o fechamento das valvas atrioventriculares sem alteração do seu
volume. Isto propicia a ausculta ou inscrição da primeira bulha. Devido ao fato
de as pressões dos átrios serem próximas e o ventrículo esquerdo determinar
maior pressão intracavitária o fechamento da valva mitral precede o da
tricúspide. Portanto, o componente mitral da primeira bulha se registra antes
do componente tricúspídeo. A pressão intraventricular elevada também projeta
para cima a face ventricular da valva mitral com elevação transitória da pressão
atrial e inscrição da onda c do atriograma. Se segue o relaxamento muscular
atrial com diminuição da sua pressão e inscrição da onda negativa x do
atriograma. A fase de contração isovolumétrica se caracteriza então pelo
ventrículo se constituir uma cavidade fechada, pois tanto as valvas
atrioventriculares quanto as semilunares estão momentaneamente ocluídas. A
contração muscular se propaga até o limite em que a pressão intraventricular
ultrapassa a pressão diastólica das grandes artérias e aí então as valvas
semilunares se abrem.
A ejeção ventricular pode
ser dividida em duas partes: ejeção rápida e lenta, completando assim o período
sistólico.
A ejeção ventricular rápida
determina o rápido esvaziamento de cerca de 60% do volume ventricular sendo sua
velocidade maior que a da saída de sangue dos capilares para as vênulas. Este
fato leva a uma dilatação transitória da aorta com estimulação dos receptores
aí localizados. Esta estimulação é captada nos centros bulbares que determinam
uma vasodilatação periférica, o que vai determinar a saída de um volume de
sangue igual ao que flui da aorta. Durante esta fase nenhum som é audível à
ausculta, pois a abertura das valvas semilunares normais é silenciosa. A
presença de som durante a fase de ejeção é indicativa de doença valvar ou shunt
intracardíaco. A pressão atrial inicialmente se reduz devido à movimentação
para baixo da base dos átrios, expandindo as câmaras. No entanto, o sangue continua
fluindo continuamente para o seu interior devido ao retorno venoso.
A ejeção rápida se completa
quando as pressões ventriculares e arteriais atingem o seu maior nível.
A fase de ejeção ventricular
lenta não é bem precisa. No entanto, se inicia a partir do ponto máximo de
pressão ventricular e arterial do registro pressórico simultâneo. Isto ocorre
porque em torno de 150 mseg a 200 mseg após o QRS do eletrocardiograma acontece
a repolarização ventricular (onda T) com redução da tensão ativa dos
ventrículos e do esvaziamento ventricular. Apesar de a pressão do ventrículo
cair um pouco abaixo da do grande vaso, a inércia ou energia cinética criada
pela coluna sanguínea ao ser ejetada pelo ventrículo e a ampla comunicação
entre o ventrículo e o grande vaso criam um gradiente de pressão suficiente
para manter a ejeção sanguínea até o final. A pressão atrial também cada vez
mais aumenta de maneira gradual devido ao retorno venoso.
O período diastólico
ventricular se inicia com a segunda bulha (B2) cardíaca e termina com a
primeira (B1). Neste período acontecem às três fases terminais do ciclo
cardíaco, que são: de relaxamento isovolumétrico, enchimento ventricular rápido
e de enchimento ventricular lento.
Na quinta fase ou de
relaxamento isovolumétrico se observa o contínuo relaxamento ventricular com
decréscimo da pressão intracavitária de tal maneira que a inércia do sangue aí
contido atinge um ponto em que é menor que a pressão nos grandes vasos. Isto
determina um gradiente reverso de pressão que leva ao fechamento abrupto das
valvas semilunares aórtica e pulmonar e a audição da segunda bulha cardíaca
(B2), com o componente aórtico precedendo o pulmonar. O fechamento valvar
determina um pequeno fluxo reverso de sangue para os ventrículos e a
característica incisura que é observada nas curvas de pressão aórtica e
pulmonar. A queda de pressão nos grandes vasos (aorta e pulmonar) se faz de
maneira mais gradual que nos ventrículos devido à maior capacidade da parede
vascular se distender com o aumento da pressão transmural (complacência). A
pressão nos ventrículos se reduz, mas o volume permanece constante devido a que
todas as valvas permanecem fechadas. Permanece um pequeno volume de sangue nos
ventrículos que é denominado de volume diastólico final do ventrículo. No
ventrículo esquerdo se situa em torno de 50 ml. A pressão nos átrios continua a
se elevar devido ao constante retorno venoso.
A sexta fase ou de
enchimento ventricular rápido ocorre quando a pressão nos ventrículo cai aquém
da pressão nos átrios determinando a abertura das valvas atrioventriculares e o
início do enchimento ventricular. A pressão nos ventrículos, no entanto, cai
mais um pouco devido ao relaxamento. O pulso venoso jugular registra nesta fase
uma queda (“colapso” y) que se inicia no ponto v, como conseqüência da redução
rápida da pressão nos átrios. Quando as valvas atrioventriculares são normais
nenhum som é audível nesta fase. Quando uma terceira bulha (B3) é audível pode
representar tensão nas cordoalhas tendíneas e anel valvar atrioventricular
durante enchimento e relaxamento ventricular. A terceira bulha pode ser normal
em adolescentes, mas frequentemente é anormal em adultos e causada por
dilatação ventricular.
Na última fase do ciclo
cardíaco ou de enchimento ventricular lento, os ventrículos continuam a se
encher e se expandir, torna-se menos complacentes, com aumento progressivo da
pressão intraventricular, reduzindo, portanto o gradiente atrioventricular e
por fim o enchimento ventricular. A pressão aórtica e pulmonar continua decrescendo
nesta fase.
Figura representativa do
ciclo cardíaco, em suas sete fases:
Fase 1: Contração atrial.
Fase 2: Contração
isovolumétrica
Fase 3: Ejeção ventricular
rápida
Fase 4: Ejeção ventricular
lenta
Fase 5: Relaxamento
isovolumétrico
Fase 6: Enchimento
ventricular rápido
Fase 7: Enchimento
ventricular lento
AO: aorta; VE: ventrículo
esquerdo; AE: átrio esquerdo; VDFVE: volume diastólico final do ventrículo
esquerdo; VSFVE: volume sistólico final do ventrículo esquerdo; ECG:
eletrocardiograma; B1: primeira bulha cardíaca; B2: segunda bulha cardíaca; B3:
terceira bulha cardíaca; B4: quarta bulha cardíaca.
Autores: Evandro César Vidal
Osterne,Thomas Edson Cintra Osterne, Noeme Maria A.C.Osterne
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